A primeira canção a ser interpretada é uma das composições antigas do Brown com o parceiro Alain Tavares. Esta música - assim como muitas outras do compositor - é mais conhecida pela interpretação de outrem. No caso, Vumbora amar, conhecida simplesmente como Vumbora, é comumente associada ao Chiclete com Banana. Entretanto, não nos prenderemos à questão da interpretação ou o que esta pode trazer de diferença. O objetivo aqui é tão somente "estudar" algumas construções poéticas e verbais do Carlinhos Brown. Obviamente citaremos quando houver parceiros nas músicas, mas definitivamente, é sempre uma marca de estranhamento que desde já ficou-se vinculada ao músico Brown.
Os primeiros versos dizem que O vento faz rendez-vous no seu cabelo alinhado e que este é acostumado com o meu embolado. Tão somente pode ser captado dessas linhas o desequilíbrio dos encontros. O vento que encontra um cabelo alinhado, que no adjetivo já nos dá uma ideia implícita de bem portado, endireitado, em ordem. Também aqui a imagem não é de todo alheia ou nova. Normalmente, o vento é correlacionado, quando toca alguém, na parte dos cabelos. Em contato com o vento, este sai do seu lugar de repouso. O cabelo é frágil quando se encontra ou é encontrado com o vento. Até aí, os versos diriam um registro do cotidiano. Mas há um jogo de opostos à frente. O cabelo alinhado vive próximo de um que está embolado. Numa lembrança mais rasteira e rápida, esse embolado poderia referir ao tipo estético de um cabelo. Seria, mas não é. Porque, é o que defendemos, há o desencontro. O vento encontrou (rendez-vous) ou produziu um encontro no cabelo alinhado que está sob os convívios de outro embolado. Logo, é justo inclusive pensar que este cabelo pouco importa com o desarranjo produzido pelo vento. Este alinhado é um desalinhado por costume que se alinha à força de um acaso. Em suma, o vento qualquer encontrou desencontrando.
Se é permitido aprofundar, é como se a força dessa relação é entre um e o outro do que propriamente uma natureza comum aos dois. O vento entrecorta um momento. Justamente o verso que se segue diz - é o dono do cabelo embolado - que acho que o passo é do seu sapato. O rastro deixado é todo pessoal. É essa que tem o cabelo alinhado que vinca um caminho ao qual o outro somente segue.
Depois, uma quarta participação é introduzida na estória (somemos os participantes pois, há o vento, o cabelo alinhado e o cabelo embolado) e que é a Dona Naná (que) tá danada e isto também fala sobre o seu emotivo. Mas o que a deixou danada? A resposta é que o santo dela desceu. Descreve-se depois que a jangada tá lavada entre nela mais eu. Também aqui, por morosidade interpretativa, poderia-se bem afirmar que o nome Dona Naná serve apenas para fazer construção sonora com o tá danada. Não significa, todavia, que se deva lançar a hipótese de uma pessoa que realmente exista. Mas a Dona Naná poderia ser colocada como a redução de outro nome como Mariana, Juliana, Giovana, etc. Chegaríamos, devido às muitas possibilidades, a caminhos insolucionáveis? Estes só seriam se tudo fosse analisado verso à verso. Prestemos atenção para o fato de que, é o que costuma ser, há sempre uma unidade escondida ou minimamente sombreada. Ora, há a expressão informando que o santo dela desceu. Esta expressão se o formos vasculhar não é de fácil tradução mas sua origem é, até pelo sujeito citado nela, religiosa (1). O significado é aproximadamente do transe. O santo descer - agora longe do catolicismo e próximo das religiões afro-brasileiras - é usado para dizer o momento de descontinuação do comum. Em estado alterado, diz-se que o santo desce e o sendo de maneira tão peculiar, as opções ou é integrar-se ou fugir-se, que a qual, está última é a escolhida. Ele chama para entrar na jangada que está lavada. O lavada pode ser pensado como o estado de prontidão para uso da jangada. Estivesse suja e não estaria pronta. Dito isso, vai tornando-se relativamente mais claro os lados do dado. Quem chama para fuga? Aquele que tem o cabelo embolado. Quem foge junto? Aquela que tem o cabelo alinhado. Fugir de quem? De Dona Naná. Quem seria esta? A mãe ou figura que exerce controle sobre aquela da fuga. Há lugar para o vento? Este surge produzindo o outro risco - o do desencontro. Mas se este aparece, vejam que interessante, não intersecciona agora com o vento mas também com a jangada.
Mas não deve-se considerar essa cadeia de fatos como sem sua causa principal. Está diz-se no refrão, o convite de vumbora amar, embora mais eu. O vumbora é corruptela do Vamos embora! O pedido do apaixonado, porém, é sempre de um mais um. Se vier embora, que venha com eu. Poderíamos aproveitar a junção da sonoridade vumbora amar que se aproxima do vumbora mar! Esta imagem seria estranha, isto é, chamar o mar para a fuga. Recordemos apenas que há uma jangada (embarcação de água salgada) que é o ponto de apoio para os viajantes. Não se foge se o mar não ajudar na fuga.
A segunda parte da canção começa dizendo que eu deixaria a areia coberta de você. É preciso escutar/ler essa frase com mais calma. O normal seria você coberta de areia. Mas no campo da normalidade, notamos todos os dias no cotidiano, isso não traria nada demais. Na canção, a possibilidade é do senso dos registros. Aquela é que cobre a areia. Ela deixa seus registros. Vejamos que na primeira parte fala sobre o rastro. Esse parece ser o tema da segunda parte e que trabalha com as inversões, pois, depois vem no seu cabelo enrolado leve um cacho de dendê. Temos duas opções para dar sentido: uma é que na segunda parte, aquela que foi convidada para a fuga, tomou a voz da estória. Refere-se ao dono do cabelo enrolado. Esta seria uma inversão de narrador. O sentido segundo, mais complexo, é que durante a fuga destes, sofreram o efeito do vento a tal ponto que fez daquela com cabelo alinhado a dona do cabelo embolado. Mas ora, então o dono do cabelo embolado não teria no desembarque o cabelo alinhado? Certamente que sim, e porém como não é dito nada sobre este, a hipótese de que a voz da segunda parte é a mesma da primeira continua sendo a mesma. Ele, fugitivo, ao trazer sua amada, colocou-lhe na condição de, mais do que prisioneira, de fugitiva. Os dois se equipararam, apesar do efeito do vento - que seria, talvez, maléfico nos cabelos, desordeiro, mas motor para a jangada. Ele desarruma por cima e movimenta por baixo. Há ainda o cacho de dendê. A árvore de onde vem tal cacho se chama "Dendezeiro". Apesar de ser originária da costa ocidental da África (2), seu cultivo e o uso dos seus frutos, é bastante comum na Bahia. Sua incidência chega a ser tão forte que o mesmo serve inclusive para nomear um dos trechos do litoral baiano (3). Portanto, atreveríamos, a partir desta referência a situar inclusive o cenário da narrativa. Como há uma jangada, e se chega à costa do Dendê, pensa-se que se fugiu de ou para uma ilha. A história, assim, teria, mesmo que imaginária, tendo a ilha de Morro de São Paulo como referência geográfica real.
Os últimos versos, ainda sobre rastros, contam que salte que o salto é do seu sapato e passe que o espaço é do seu cavalgo. Já não há dúvida também que é a mulher a companheira da fuga. O salto é do sapato dela. O espaço por onde ela vai está aberto. Após a jangada, toma-se o cavalo para completar a fuga.
Um pequeno adendo deve ser citado. Na versão do Chiclete canta-se Minha Inha / Minha Inha. Num vídeo disponível no youtube (4) o próprio Brown informa quem é a Inha. É o nome de uma mulher.
Conclusão: Duas pessoas se gostam. Sobre elas é dito que ele tem o cabelo embolado e ela o cabelo alinhado, que permite inclusive a ação do vento ora alinhando ou desalinhando sobre a mesma. Eles moram em Morro de São Paulo. Por algum motivo, a mãe, Dona Naná fica danada, talvez por ser um namoro proibido, e a filha por ter lhe desrespeitado, faz com que o santo dela desça. Mas eles conseguem fugir. Chegam a um lugar no qual tudo por fim, mudou. O vento impulsionou a jangada. Com um cacho de dendê nos cabelos e montados à cavalo, eles fogem. O namoro, ou o caso de amor, só podia por fim, ter uma fuga como chance. Se fosse uma fábula, eis aí sua lição: amar é quase como fugir. Uma fuga à dois.
(1) Por exemplo em Mateus 3,16 que diz " Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele."
(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Dendezeiro
(3) http://bahia.com.br/destinos/costa-do-dende/
(4) http://www.youtube.com/watch?v=Kh5oUo3Hi_k
Mas não deve-se considerar essa cadeia de fatos como sem sua causa principal. Está diz-se no refrão, o convite de vumbora amar, embora mais eu. O vumbora é corruptela do Vamos embora! O pedido do apaixonado, porém, é sempre de um mais um. Se vier embora, que venha com eu. Poderíamos aproveitar a junção da sonoridade vumbora amar que se aproxima do vumbora mar! Esta imagem seria estranha, isto é, chamar o mar para a fuga. Recordemos apenas que há uma jangada (embarcação de água salgada) que é o ponto de apoio para os viajantes. Não se foge se o mar não ajudar na fuga.
A segunda parte da canção começa dizendo que eu deixaria a areia coberta de você. É preciso escutar/ler essa frase com mais calma. O normal seria você coberta de areia. Mas no campo da normalidade, notamos todos os dias no cotidiano, isso não traria nada demais. Na canção, a possibilidade é do senso dos registros. Aquela é que cobre a areia. Ela deixa seus registros. Vejamos que na primeira parte fala sobre o rastro. Esse parece ser o tema da segunda parte e que trabalha com as inversões, pois, depois vem no seu cabelo enrolado leve um cacho de dendê. Temos duas opções para dar sentido: uma é que na segunda parte, aquela que foi convidada para a fuga, tomou a voz da estória. Refere-se ao dono do cabelo enrolado. Esta seria uma inversão de narrador. O sentido segundo, mais complexo, é que durante a fuga destes, sofreram o efeito do vento a tal ponto que fez daquela com cabelo alinhado a dona do cabelo embolado. Mas ora, então o dono do cabelo embolado não teria no desembarque o cabelo alinhado? Certamente que sim, e porém como não é dito nada sobre este, a hipótese de que a voz da segunda parte é a mesma da primeira continua sendo a mesma. Ele, fugitivo, ao trazer sua amada, colocou-lhe na condição de, mais do que prisioneira, de fugitiva. Os dois se equipararam, apesar do efeito do vento - que seria, talvez, maléfico nos cabelos, desordeiro, mas motor para a jangada. Ele desarruma por cima e movimenta por baixo. Há ainda o cacho de dendê. A árvore de onde vem tal cacho se chama "Dendezeiro". Apesar de ser originária da costa ocidental da África (2), seu cultivo e o uso dos seus frutos, é bastante comum na Bahia. Sua incidência chega a ser tão forte que o mesmo serve inclusive para nomear um dos trechos do litoral baiano (3). Portanto, atreveríamos, a partir desta referência a situar inclusive o cenário da narrativa. Como há uma jangada, e se chega à costa do Dendê, pensa-se que se fugiu de ou para uma ilha. A história, assim, teria, mesmo que imaginária, tendo a ilha de Morro de São Paulo como referência geográfica real.
Os últimos versos, ainda sobre rastros, contam que salte que o salto é do seu sapato e passe que o espaço é do seu cavalgo. Já não há dúvida também que é a mulher a companheira da fuga. O salto é do sapato dela. O espaço por onde ela vai está aberto. Após a jangada, toma-se o cavalo para completar a fuga.
Um pequeno adendo deve ser citado. Na versão do Chiclete canta-se Minha Inha / Minha Inha. Num vídeo disponível no youtube (4) o próprio Brown informa quem é a Inha. É o nome de uma mulher.
Conclusão: Duas pessoas se gostam. Sobre elas é dito que ele tem o cabelo embolado e ela o cabelo alinhado, que permite inclusive a ação do vento ora alinhando ou desalinhando sobre a mesma. Eles moram em Morro de São Paulo. Por algum motivo, a mãe, Dona Naná fica danada, talvez por ser um namoro proibido, e a filha por ter lhe desrespeitado, faz com que o santo dela desça. Mas eles conseguem fugir. Chegam a um lugar no qual tudo por fim, mudou. O vento impulsionou a jangada. Com um cacho de dendê nos cabelos e montados à cavalo, eles fogem. O namoro, ou o caso de amor, só podia por fim, ter uma fuga como chance. Se fosse uma fábula, eis aí sua lição: amar é quase como fugir. Uma fuga à dois.
(1) Por exemplo em Mateus 3,16 que diz " Batizado Jesus, saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele."
(2) http://pt.wikipedia.org/wiki/Dendezeiro
(3) http://bahia.com.br/destinos/costa-do-dende/
(4) http://www.youtube.com/watch?v=Kh5oUo3Hi_k